ALTERAÇÃO DO ENDEREÇO

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

-" Contra o Acordo Ortográfico "

Defenda-nos Deus de tamanha ignorância !...


«São mudas mas “falam”» [Nuno Pacheco, Público]


«Valha-nos, ao menos, a insistência da iniciativa legislativa de cidadãos contra o acordo (http://ilcao.cedilha.net/). Deviam assiná-la todos os que ainda não perderam a coragem.»
Nuno Pacheco

"Agora que às criancinhas começa a ser servida nas escolas a nova e indigesta papa ortográfica (que muito trabalho há-de dar a pais e professores, sobretudo a explicar incongruências), eis que surge na revista Ler deste mês um extenso e magnífico artigo onde se dá conta da evolução da monumental farsa a que convencionou chamar-se Acordo Ortográfico ou AO90. Assinado e muito bem escrito por Fernando Venâncio, justifica por si só a compra da revista. Ao lê-lo, os que não sabiam ficarão a saber que, na fúria revolucionária dos primórdios da coisa, chegou a propor-se a abolição total da acentuação nas esdrúxulas: escrevia-se “polemico” e quem quisesse leria polémico, caso de Portugal, ou polêmico, caso do Brasil. E o “nosso” Malaca sugeriu até a supressão total dos hífens, o que daria coisas fantásticas como “bemestar” para “bem-estar” e “malingua” para má-língua.
Tudo à roda, como já perceberam, das temíveis contradições entre o que se diz e o que se escreve. Daí que os génios do AO tenham descoberto aquela que ficará como uma das afirmações mais idiotas deste jovem século: “Não se pronuncia, não se escreve.” É isso que dita, no AO, a morte das consoantes mudas. Mas serão assim tão mudas? Um exemplo curioso e brasileiro: no infinitivo impessoal dos verbos terminados em –er ou –ar, nunca o “r” é pronunciado. Comer, correr, bater, dever, diz-se naturalmente “comê”, “corrê”, “batê”, “devê”; tal como nadar, comprar, voar, andar, se diz “nadá”, “comprá”, “voá”, “andá”. Para lá da etimologia, não é difícil perceber que a vogal final é aberta por causa do “r” que fecha a palavra. Sem “r”, teríamos de ler “come”, “corre”, “bate”, “nada”, “compra”, “voa” e por aí fora. Por isso, a consoante aparentemente muda de tais palavras, afinal, “fala”. E acentua as vogais. Mas, como “não se pronuncia, não se escreve”, ainda um dia esse “r” fi nal será abatido.
Ora com as consoantes suprimidas em Portugal passa-se o mesmo. Por isso, aqui, espectáculo sem “c” só pode ler-se esp’táculo. Não há volta a dar a isto. No artigo já citado, Fernando Venâncio resume da melhor forma o problema (pág. 89): “O nosso magnífico idioma tem duas ortografias diferentes porque tem sistemas vocálicos divergentes. O fosso entre os dois vai-se, mesmo, alargando. Mil acordos ortográficos não conseguiriam uma reaproximação dos dois sistemas. Importa aceitá-lo com naturalidade e não interiorizá-lo como um drama.” Mas a isto o AO nada diz, cego na sua fúria de “unificar” que na verdade não unifica. O artigo lembra também este disparate: na entrada dos hotéis portugueses vai passar a escrever-se “receção”, por imposição do AO, enquanto no Brasil se continuará a escrever, e bem, “recepção”. Tão unificados que estamos…
Estranho é que, mesmo publicando artigo tão clarificador, a Ler passe a partir deste número a aplicar já o AO. É tipicamente português: mesmo aquilo que não faz sentido, aceitamo-lo com um encolher de ombros, esse sim, perigosamente mudo. Valha-nos, ao menos, a insistência da iniciativa legislativa de cidadãos contra o acordo (http://ilcao.cedilha.net/). Deviam assiná-la todos os que ainda não perderam a coragem.
Nuno Pacheco
[Transcrição integral de crónica da autoria de Nuno Pacheco publicada no jornal Público de 19.09.11. Link disponível apenas para assinantes.]"

2 comentários:

Anónimo disse...

Concordo com Nuno Pacheco. O pretenso "acordo" ortográfico é uma aberração e acho que as coisas deviam ser deixadas como estão. Afinal também há o Inglês britânico, o Inglês Americano, o Inglês Australiano ou Sul-africano. E isto não impede que o Inglês seja a língua universal, com todas essas especificidades. Este "acordo" é apenas uma forma de hegemonização brasileira, tipo colonialismo de sentido inverso, não só sobre Portugal como sobre os PALOP's!!!
Poderia expôr aqui as razões técnicas para a defesa da actual grafia em Portugal, mas isso está feito por pessoas bem mais doutas, e por isso quem quiser que se informe. Acrescento apenas que o Português que se fala na Península Ibérica, derivado do Latim, com as influências dos dialectos do Noroeste peninsular e fachada atlântica, passaram a constituir uma matriz, "exportada" depois para todas as latitudes. Abrasileirar o Português é o mesmo que destruir o original e ficar-se com uma fotocópia distorcida por uma série de crioulismos e deturpações. Será que não podem conviver as duas versões? Será que é preciso o tal "acordo" para nos entendermos? E, para pior, impõe-se uma coisa destas por decreto, sem ao menos se referendar o assunto? - ora, na minha Língua mando eu, e vou continuar a escrever como aprendi, por acaso algures em Angola, nos finais dos anos 60!...

Arnaldo dos Santos Norton disse...

Seria interessante se indicasse aquilo que acha errado no Ao. Assim, ficamos só a saber que não concorda.